Conversando com uma amiga, me veio a vontade de falar sobre esse assunto.Ela dizia que na infância, catava lixo nas ruas da Barra para encontrar comida. Nenhuma pizza ficava perdida, dava uma lavadinha pra tirar as cinzas de cigarro, levava pra casa, dava uma esquentada e lá estava uma boa refeição do dia. É verdade, eu também era uma catadora de lixos, mas com uma diferença, era uma catadora de conhecimento, catava livros.
Desde pequena, meu pai me orientou sobre o valor que um livro tem.Cresci com essa ideia de que sem me tornar uma boa leitora, seria impossível me tornar uma mulher inteligente.Lembrem que no texto sobre A difícil perda da virgindade falei sobre o meu pai, que sempre quando eu tinha dúvidas sobre sexo, ele me mandava ler Henry Miller. Pois é, eu sou descendente de um catador de livros.Lembro bem do primeiro texto que meu pai trouxe da rua, do lixo, diga-se de passagem, era um almanaque que falava tudo sobre cachorros,tipo de raça, alimentação ideal, etc. Ele ficou tão empolgado com o livro, e nós também, que mandou encadernar e tudo. E como o Determinismo, de Taine é cruel, não fugi à regra, passei a catar todo tipo de livro que achava na rua.
Meu primeiro clássico foi um livro de Fernando Sabino, O Gato Sou Eu. O coitadinho(do livro) estava um fiasco, todo sujinho de mofo, mas o título me chamou à atenção.Na verdade, o chamariz foi uma foto velha e linda de uma prima minha, mas quando vi o livro ali, embrenhado entre as fotos velhas, não resisti, peguei meio envergonhada, mas levei o livro pra casa. Foi uma decisão acertada, porque o livro era uma série de crônicas escritas por ninguém menos que Fernando Sabino, autor que me apaixonei e não parei mais de ler.
Mais tarde, fiz uma nova aquisição.Vindo da Faculdade de Letras, na UFBA, em Ondina, seguindo em direção à Orla, deparei-me com um montinho de livros e revistas em frente à porta de uma grande casa.Não tinha como ficar indiferente à obra o Pagador de Promessas, de Dias Gomes. Olhei para os lados e como não havia ninguém olhando, peguei-o, exatamente como um ladrão faria ao avistar algo de valor na rua.Como já era adulta, tive o cuidado de olhar para os lados, porque não sei como as pessoas reagiriam ao ver uma garota catando livros na rua e jogando na mochila. Foi ali, diante do livro de Dias Gomes, que percebi que jamais veria um lixo com indiferença.
É claro que à medida que comecei a trabalhar e ganhar o meu dinheirinho, comprei os meus próprios livros, inicialmente nos sebos(porque todo mundo sabe que estudante tá sempre duro), depois já com um emprego, fiquei sócia do Círculo do Livro, comprando um livro a cada dois meses e agora já trabalhadora, com um pouquinho mais de grana, tornei-me compradora regular do site da Siciliano. Contudo não pensem que me libertei desse vício não, continuei catando livros compulsivamente. Resgatei dos lixos o Elogio da Loucura, de Erasmo de Roterdã, Sagarana, de Guimarães Rosa e muitos outros que não consigo lembrar.
Então eu fico pensando o seguinte, a que nível chegou o interesse dos brasileiros em relação aos seus livros. Pelo visto nenhum. É interessante notar que os livros encontrados, na sua maioria, não foram em bairros periféricos, tão associados ao descaso com a leitura, mas sim nos chamados bairros nobres, como Barra e Ondina.Eu não consigo desfazer-me dos livros que tenho, se há duplicidade, dou de presente. Outro dia, havia emprestado alguns à uma amiga e fiquei doidinha por saber que a mãe dela queria vendê-los.Fui correndo ao encontro dos meus amados e confesso meu receio em emprestá-la algum novamente, nunca se sabe quando o lado comercial da mãe dela voltará a atacar. Bom, quando você visualizar um lixinho por ai, dê uma olhadinha, quem sabe não só encontre um clássico perdido, mas também como diria Drummond, a chave perdida do conhecimento.